A polarização cansou (Por Hubert Alquéres)
O cansaço do eleitorado com Lula e Bolsonaro
atualizado
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Logo após a vitória britânica na Segunda Batalha de El Alamein, durante a Segunda Guerra Mundial, Winston Churchill pronunciou uma frase que entrou para a história: “Este não é o fim. Nem sequer o começo do fim. Mas é, talvez, o fim do começo.” A sentença do então primeiro-ministro inglês pode ser adaptada à interpretação dos dados da última pesquisa Quaest. O cansaço do eleitorado com Lula e Bolsonaro não significa, ainda, o fim da polarização que ditou a política brasileira nos últimos sete anos — mas marca o início de seu esgotamento político.
O desgaste com os dois principais protagonistas da política nacional é palpável. Segundo o levantamento, 66% dos brasileiros não querem Lula na disputa pela reeleição em 2026. E 65% acham que Bolsonaro, embora inelegível até 2030, deveria apoiar outro nome, em vez de tentar uma volta triunfal. É um sinal claro de fadiga: a sociedade começa a rejeitar não apenas os governos, mas os personagens centrais do embate político recente.
É um processo em curso — portanto, inacabado —, com muito chão pela frente. Mas já representa uma importante alteração no cenário político nacional, com a abertura de espaço para novas lideranças e alternativas para a disputa presidencial de 2026. Isso dependerá, em grande medida, da capacidade desses novos atores de se conectarem com os anseios de mudança e de distensionamento do país, compartilhado pela maioria dos brasileiros.
No novo quadro que vai se delineando, o espaço do chamado “centro político” — ou, pelo menos, do eleitorado não identificado com os extremos — tende a crescer, ainda que esse crescimento não signifique a consolidação de um centro ideológico claro, mas sim a ascensão de um antipetismo e antibolsonarismo simultâneos. Trata-se de uma mudança positiva, com potencial de despoluir o campo político. No entanto, é preciso ir além, por meio de um projeto nacional que tire o Brasil do atoleiro em que se encontra.
A exaustão da polarização, contudo, não representa uma rejeição total ao embate ideológico, mas ao enredo repetido, previsível e desgastado. A polarização afetiva — como descrita no livro Biografia do Abismo — perde força à medida que Lula e Bolsonaro deixam de representar esperança e am a evocar o medo: um medo que se reflete na erosão emocional das bases que outrora sustentaram essas lideranças.
Nesse contexto, segundo Felipe Nunes, CEO da Quaest, a rejeição ao governo vai se transformando em rejeição eleitoral a Lula. Isso explica por que o presidente aparece tecnicamente empatado nas intenções de voto com novas lideranças como Tarcísio de Freitas, Ratinho Jr. e Eduardo Leite. Se, há seis meses, imaginava-se a direita inteiramente dependente de Bolsonaro do ponto de vista eleitoral, essa realidade vem mudando à medida que a nova safra de suas lideranças se torna conhecida nacionalmente.
A direita e o centro-direita mostram-se maiores do que o próprio Bolsonaro, não dependendo apenas dele para serem competitivos na próxima disputa presidencial. Já a esquerda vive uma situação oposta: Lula é bem maior do que ela, e não há, em seu espectro político e ideológico, outro nome alternativo para 2026. Em um rasgo de sinceridade — ou em um ato falho —, a ex-presidente do PT e atual ministra das Relações Institucionais explicitou a lulodependência: “Infelizmente, Lula tem de ser candidato.”
É alta a taxa de risco de o incumbente disputar a reeleição com 57% dos brasileiros reprovando seu governo — e, ainda, sem conexão com a juventude. Na faixa de 16 a 34 anos, de acordo com a Quaest, 64% reprovam o governo Lula. Isso chama ainda mais atenção quando se leva em consideração que, historicamente, o discurso da esquerda — especialmente o do Partido dos Trabalhadores — construiu vínculos fortes com os jovens.
Se há um cansaço com a polarização, por que Lula e Bolsonaro insistem nela? A resposta é simples: porque ambos precisam dela para sobreviver politicamente. Lula necessita de Bolsonaro como contraponto. A recíproca é verdadeira: Bolsonaro precisa de Lula para não desaparecer da cena política.
Um semeia o medo do “retorno do fascismo ao poder”, entendendo como tal qualquer candidatura que se oponha à sua. O outro manipula o fantasma do “comunismo”, como se houvesse algum risco real de o Brasil se transformar em uma nova Cuba ou China. É um processo de retroalimentação da polarização, que mantém a política congelada e refém do embate entre esquerda e direita.
Sem a polarização, o lulismo e o bolsonarismo revelarão seu real tamanho. Segundo a rodada de maio da pesquisa Quaest, 19% da população se identifica como “lulista” e 12% como “bolsonarista” — juntos, apenas 31%. Já os que se dizem independentes somam 33%, com outros 33% se posicionando no centro político (entre esquerda e direita, sem vínculos com os extremos). Os dois líderes se alternaram no poder nas últimas duas eleições manipulando a rejeição ao adversário. O antipetismo deu a vitória a Bolsonaro em 2018; o antibolsonarismo elegeu Lula em 2022.
Hoje, os ventos sinalizam uma mudança de direção. O país vive um momento de transição, em que a velha polarização vai perdendo sintonia com a realidade, embora o discurso antipolarização ainda esteja em gestação. O grande fato novo revelado pela Quaest é o enorme espaço para um discurso capaz de despertar esperança nos corações dos brasileiros, com uma mensagem de equilíbrio, moderação e união.
O caminho das pedras para 2026 a pelo entendimento de que a polarização extremada já deu o que tinha de dar. E só gerou ódio, divisão e a esterilização da política. O Brasil parece pronto para respirar novos ares. Falta abrir as janelas.
Hubert Alquéres é presidente da Academia Paulista de Educação